Contos, crônicas e cartas

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quinta-feira, 7 de abril de 2011

* A Vera Antoun

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Porto Alegríssimo, 4 de janeiro de 1973

Verinha-maravilha, por onde anda você, tão distanciada, tão silenciosa? Em que nova galáxia posso te encontrar outra vez, morena como uma princesa raptada por beduínos no deserto? Vezenquando baixa uma saudade, quase sempre clara como tem sido o ar verde-azulado deste verão, e fico sentindo falta do teu jeito lento de chegar pisando em nuvens, sempre azul. As coisas andaram meio escuras para mim, durante muito tempo, depois, o fim do inverno levou as amarguras e tudo se renovou; estou pronto, outra vez, para te encontrar na areia do Leme ou nas salas estragadas do conservatório, expressões corporais, alquimias. Hoje vesti verde, em homenagem ao eclipse em Capricórnio, e de repente, não mais que, a redação quase vazia, uma tarde quase quebrando de tão clara, você chegou na minha saudade. Escrevo. Há muito para dizer, mas é uma pena que não se possa mandar uma carta cheia de silêncio, que é música.

Siboney me trouxe, há alguns meses, o livro do Waly (muito ruim) e uma carta tua, que não cheguei a ler porque ele não me entregou. Estou trabalhando neste jornal há quase uma semana, ganhando relativamente bem e juntando $$$ para viajar, em junho, para a Europa. Há uns quinze dias ganhei um prêmio literário do Instituto Estadual do Livro, com um conto chamado Visita, que me deu dinheiro, alegria, segurança e mil lancezinhos. Estou TRI. Tenho disciplinado a minha vidoca, semana que vem começo a fazer ioga, pela manhã, e logo depois uma dieta macrobiótica. Logo após, um curso de conversação de francês e outro de inglês - quero atravessar o Atlântico muito bem preparado, as asas dispostas a qualquer vôo. Saio muito pouco, prefiro ficar em casa transando minhas coisas, meu cachorro Tirésias, descendente de nobres chineses, uma enorme família de periquitos azuis, verdes e brancos, estudando magia e astrologia (ando afiadíssimo - você continua a estudar?). Porto Alegre é considerado um dos grandes centros magnéticos do mundo e, em conseqüência disso, há aqui diversas sociedades esotéricas, como a FEEU (que tem uns livros sensacionais) e a GFU (onde faço ioga, fundada por um peruano, com cursos de cosmobiologia e astrologia). Dizem que será aqui o novo centro de irradiações para todo o Brasil, depois de passada a epidemia baiana, e eu acredito... As pessoas andam lindas, com as cucas ótimas, profundíssimas.

Andei viajando muito (fiz 4 viagens em dois meses), nas últimas consegui a integração, sem nenhum mau momento, sou muito sujeito a bads. De outra vez vi Deus, era um menino que me dizia para não perder a infância, que a infância era Deus. De outra foi a Capela Sistina inteira nas nuvens. Morreram vários amigos meus nesse fim de ano, doenças, loucuras, desastres, foi duro ter a morte tão perto, mas eu soube desdobrar a desantenação inicial para curtir o que eles deixaram de bom. Estou muito velho, e cada vez mais criança. Aprontei um novo livro de contos, chamado O ovo apunhalado, que está participando de um concurso literário em Brasília. Mesmo que o prêmio não saia, já arranjei um editor por aqui, e é provável que até o fim deste ano você me receba em livro pela vez terceira. Aprendi a gostar de viver e ser feliz. Depois dessa viagem sei que há um tempo claro e calmo à minha espera, a casa no campo, os livros e discos, os amigos do peito e nada mais. Só que as coisas têm a hora certa de chegar, eu sei que você sabe, e por estranho que pareça preciso ainda ser um pouco machucado pela sifilização, para que o vôo seja mais seguro, depois, e sem volta. Você sabe também que quem sobe neste avião não consegue mais voltar à terra, mas só chegarão ao destino os que não tiverem medo. Onde anda você, menina que me ensinou tanta coisa nova?

Antes de viajar pretendo dar uma volta pelo Brasil, rever as não muitas mas muito intensas pessoas que fui deixando nos lugares por onde andou minha magreza: S. Paulo, Campinas, Florianópolis, Rio, Cabo Frio, Belo Horizonte. Então verei você e Henrique. Mas até lá, por favor, escreve contando de você, de tudo, de todos. Não quero nunca me perder de você, nem preciso dizer isso porque você sabe que um Virgem e um Touro não se perdem mesmo - é astralmente impossível. Portanto, mesmo que você cometa a vileza de me deixar sem resposta, num outro de repente a gente se encontra numa esquina, numa praia, num outro planeta, no meio duma festa ou duma fossa, no meio dum encontro a gente se encontra, tenho certeza.

Vou ver se acho no jardim lá de casa um amor-perfeito para mandar junto com a carta. Dê um grande abraço em Henrique, em todos os seus irmãos e naquela mãe maravilhosa que vocês têm. Sempre seu


......................................................................................................Caio


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