Contos, crônicas e cartas

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domingo, 16 de janeiro de 2011

* Entrevista

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CAIO FERNANDO ABREU SÓ PENSA EM ESCREVER



Caio concedeu ao Jornal da Tarde, de São Paulo, a entrevista com o título acima, conduzida pelo jornalista Wálmaro Paz e publicada em 11 de outubro de 1994. O escritor tinha acabado de voltar a viver no Rio Grande do Sul, na casa de seus pais no bairro de Menino Deus, em Porto Alegre. Por ocasião da entrevista, praparava-se para embarcar para a Alemanha, onde viria a lançar seu livro 'Onde andará Dulce Veiga?' na Feira do Livro de Frankfurt. Caio começa respondendo a uma pergunta sobre a aids, se considera a doença uma condenação.




Não, eu a vi até como uma bênção. Eu acho que quando supunha ser sadio é que estava doente. Agora que estou com aids me sinto muito saudável. Me veio uma visão das prioridades de minha vida. Como talvez eu tenha pouco tempo e muitas coisas para escrever, tive que ordenar as coisas. Muitas delas eu vinha adiando. Não desarrumava a minha mala: seis meses na Europa, seis meses no Brasil. Agora é como se alguém tivesse me dito: "Pára!". E eu parei.

Sinto uma certa urgência. Isto é porque nos sentimos o tempo todo muito imortais. Só no momento em que se passa por uma situação limite é que a gente se dá conta que a vida é breve. Aí você acorda: há coisas para fazer. Me lembro do Cazuza quando disse: "Eu vi a cara da morte e ela estava viva". Despertar essa noção de prioridade é a face boa da doença. Eu sempre fui ligado à filosofia oriental, ao budismo. Por isso creio que esta vida é ilusão. Acho que a coisa está ali. Do outro lado. O que nós chamamos de morrer é como nascer para outros planos. Além disso, já que isto aqui onde vivemos é tão fugaz, morrer deve ser algo prazeroso. Cada momento novo deve ser o mais bonito, o mais gostoso. Foi assim que eu me vi no hospital, em agosto, anotando os livros que eu ainda tenho para escrever.

Eu gostaria de reescrever o mito de Ícaro. Mas nunca fui à Grécia. Preciso ir para ver a luz da ilha de Creta. Não escrevo senão sobre o que conheço profundamente. Meus livros me perseguem durante muito tempo. Nunca tive nada a não ser a bagagem de minhas experiências. Aos 19 anos estava em São Paulo, aos 22 nas "Dunas do Barato", no Rio de Janeiro, fumando maconha; aos 24, lavando pratos em Estocolmo. Provei todas as drogas e nunca consegui me viciar. De uns anos para cá, até a maconha, que eu não considero droga, me dá náuseas. A única que ainda uso é o cigarro.


Caio fala sobre o caráter urbano de sua literatura:

Primeiro fui convidado pela Casa de Cultura de Berlim e pela Câmara Brasileira do Livro para lançar Onde andará Dulce Veiga?. Este é o meu grande sucesso na Europa. Já foi sucesso na França, na Itália e está se repetindo na Alemanha. Os europeus ficaram surpresos com um Brasil que não é exótico. Um Brasil que não tem mulatas, praias, carnaval. Um Brasil muito urbano. O romance se passa em São Paulo, uma cidade enfurecida, envenenada. Acho que foi isso que surpreendeu o europeu, acostumado com a imagem do Brasil de Jorge Amado.

Talvez seja porque eu nasci numa cidade muito pequena, Santiago do Boqueirão, onde "quem não é bandido é ladrão". Eu amo Santiago. Aliás, seu nome, na verdade, era Santiago de Ias Missiones. Sua história seria um novo romance se eu ainda tivesse tempo. É curioso minha literatura ser tão urbana. Minhas raízes são todas gaúchas, platinas.

Fui tirado de maneira muito rápida do Pampa para o centro urbano. Isso foi um choque muito grande. Em 1968, São Paulo ainda era uma cidade bucólica. À noite a gente passeava e sentava nos bancos da Praça da República. A avenida São Luís era muito chique, ali se tomava chá de tarde.


Sobre a quantidade de horas que dedica ao trabalho:

Muitas, mas agora minha vida está desordenada. Desde que soube que estava doente, em junho. Passei todo o mês de agosto no hospital, por isso dei eu mesmo a notícia no jornal. Fiquei estarrecido quando fui reconhecido numa banca no dia em que o JT publicou minha foto. Nunca quis vender minha doença. Não quero ser um autor vivo de obra póstuma. Este mês fiquei tranquilo na minha casa, mas agora já estou viajando de novo. Eu tenho trabalhado somente de manhã, revendo alguns textos. Quero me disciplinar, tenho muito o que escrever. O jornalismo me vampirizou.


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Um comentário:

Apaixonada disse...

Sempre que vejo algo novo postado , venho correndo para ler , assim conheço e me paixono cada vez mais por Caio.
Adorei a entrevista , me mez pensar que a vida é curta e que devemos por obrigação VIVER mais intensamente cada dia , cada momento.
Parabéns e OBRIGADA pela oportunidade de leitura.