...................................... São Paulo, 05 de junho de 1985.
Ruy, muito querido,
Você ainda está aí? Não recebi mais nenhuma linha - bom, mas também não escrevi mais-nem-uma-linha. Portanto, reticências ... Mas estou te escrevendo agora, cair da noite de uma sexta-feira quente, de lua ainda cheia, ouvindo Louis Armstrong, tomando chimarrão, porque abri de repente um caderno e me caiu de dentro essa página da Veja, que havia recortado para você - veja só - em Presidente Prudente, mais de um mês atrás.
Difícil ser sintético para dar um panorama daqui. O país está patético, desde a morte não totalmente esclarecida - (há boatos até hoje sobre uma injeção de bactérias e baixarias quetais, bem republiqueta, bem sul-americanas) - Tancredo Neves. Os psico-sociólogos dizem que foi o momento em que o povo finalmente percebeu que Deus não é, nunca foi e nunca será brasileiro. A melancolia é total. Além da inflação há uma paranóia solta no ar: AIDS. Impossível dizer até que ponto tornou-se mais um prato de resistência da imprensa sem novidade, mas de qualquer forma a doença existe e instaurou um novo comportamento entre as pessoas. Que mal se tocam.
Tenho me sentido bastante mal com isso. Para quem, como eu, por alguma deficiência emocional, ou ao contrário, por extrema saúde, nunca fui capaz de conquistar isso que chamam de "pareceiro fixo" - a consequência da paranóia é uma extrema solidão. Como se nunca mais o amor fosse bater na sua porta. A noite está vazia, ninguém se procura mais, ninguém se encontra. Vou me virando com minha tendência à depressão cada vez mais forte, e agora especialmente agravada por isso.
Profissionalmente as coisas estão bem, continuo na Around, na IstoÉ, comecei a colaborar com o Jornal da Tarde e a gravar, uma vez por semana, resenhas e livros para um programa da TV Cultura.
Estou também mergulhando de cabeça num livro novo - e isso é o que melhor posso te contar de mim. A Brasiliense me fez uma boa proposta: pagar um salário durante quatro meses, para que eu pudesse trabalhar menos e me dedicar a esse romance encruado que tenho na cabeça há três anos. Bom, está saindo. Por enquanto chama-se Desesperadamente, ou Onde Andará Dulce Veiga? Avança lentissimamente, é talvez a coisa mais lenta que já escrevi em toda minha vida. Estou tentando uma técnica nova, que chamo de caleidoscópio verbal: são figuras que se formam, à medida que o texto vai avançando, e da qual se destacam um ou dois elementos que formam uma figura nova, e assim por diante. A fragmentação, portanto, é apenas aparente, porque a intenção é conseguir um fluxo ininterrupto. Loucuras que me servem para a extruturação interior da coisa. Talvez o possível leitor mal perceba. Mas o livro é o que está me mobilizando no momento. E só isso. Andei amargo, andei achando inútil escrever, andei travado por mil coisas de dentro e de fora. Mas é o que sei fazer. A vida perderia um pouco de sentido que ainda tem se um dia eu desistisse. Então não desisto de encher laudas e laudas de palavras contando histórias que nunca aconteceram, embora consciente da inutilidade disso.
Deve ser o tempo, a proximidade dos quarenta anos (que meeeeedo), as nossas células e neurônios fatigados, mas vai baixando a humildade tão grande. Reduzi tanto os meus sonhos, minhas fantasias, minhas esperanças. Ando espantado com O Tempo. O tempo é a única coisa terrível que existe. O Tempo que passa e leva de arrasto, aparentemente aleatório, a juventude nosa e dos outros. Não é amargo, é apenas real. Só hoje começo a compreender certa expressão de espanto inconsolável que muitas vezes percebi nos olhos de meu pai. Meus olhos estão ganhando pouco a pouco uma expressão semelhante.
Então, tenho ouvido Armstrong, Billie Holliday, Bessie Smith, Theloniius Monk, Dinah Washington, os gemidos dos blues.
Quase sete e meia, devo sair daqui a pouco - vou me forçar a sair de casa para assistir ao Estagium com Fernanda, que é linda e também dança. Como hoje é sexta, e só vou poder colocar essa carta no correio na segunda vou deixar em aberto para acrescentar mais. Ah: comprei a poesia completa de Cecília Meirelles e vou procurar alguma coisa para interromper aqui.
Antes tenho pensado em ti nos meus escritos. Outro dia foi um conto chamado Beatriz que o destino desfolhou, escrito para uma antologia sobre a adolescência organizada pela Fanny Ambromovich. Remoí meses, uma história sobre Tânia Pinto, lembras dela? - aquela garota que foi minha namorada e morreu de leucemia, aos 15 anos. Também se passa em Passo da Guanxuma e que é uma Santiago do Boqueirão ficcionalizada. Em Dulce Veiga tem muito Passo da Guanxuma, acho que você vai reconhecer coisas i rir, sentir saudades talvez.
Bom, lá vai Cecília, deixa eu procurar. Que tal este de 1959?
"Esgueiro-me por entre a pedra e a nuvem:
belas cidades, deixai-me passar.
Ai dos meus encontros!
Por esses encontros, esgueiro-me, fujo
por entre palavras, por entre pessoas.
Ai dos meus encontros!
Que encontros são esses? Com quem? e quando?
Comigo. No sempre dos longes e pertos.
Ai dos meus encontros!
Deixai-me passar!
___________________
Ruy Krebs
Ruy e Caio foram amigos desde a infância em Santiago, estudaram no colégio estadual Cristóvão Pereira. Moraram juntos em Porto Alegre, quando finalizaram os estudos no ensino médio. A amizade sempre resistiu a todas as distâncias.
(Acervo de Ruy Krebs)
Fonte: Livro sobre o Caio, do projeto; "Santiago do Boqueirão, seus poetas quem são?"
Que me foi enviado com tanto carinho por pessoas queridas do Passo da Guanxuma.
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Você ainda está aí? Não recebi mais nenhuma linha - bom, mas também não escrevi mais-nem-uma-linha. Portanto, reticências ... Mas estou te escrevendo agora, cair da noite de uma sexta-feira quente, de lua ainda cheia, ouvindo Louis Armstrong, tomando chimarrão, porque abri de repente um caderno e me caiu de dentro essa página da Veja, que havia recortado para você - veja só - em Presidente Prudente, mais de um mês atrás.
Difícil ser sintético para dar um panorama daqui. O país está patético, desde a morte não totalmente esclarecida - (há boatos até hoje sobre uma injeção de bactérias e baixarias quetais, bem republiqueta, bem sul-americanas) - Tancredo Neves. Os psico-sociólogos dizem que foi o momento em que o povo finalmente percebeu que Deus não é, nunca foi e nunca será brasileiro. A melancolia é total. Além da inflação há uma paranóia solta no ar: AIDS. Impossível dizer até que ponto tornou-se mais um prato de resistência da imprensa sem novidade, mas de qualquer forma a doença existe e instaurou um novo comportamento entre as pessoas. Que mal se tocam.
Tenho me sentido bastante mal com isso. Para quem, como eu, por alguma deficiência emocional, ou ao contrário, por extrema saúde, nunca fui capaz de conquistar isso que chamam de "pareceiro fixo" - a consequência da paranóia é uma extrema solidão. Como se nunca mais o amor fosse bater na sua porta. A noite está vazia, ninguém se procura mais, ninguém se encontra. Vou me virando com minha tendência à depressão cada vez mais forte, e agora especialmente agravada por isso.
Profissionalmente as coisas estão bem, continuo na Around, na IstoÉ, comecei a colaborar com o Jornal da Tarde e a gravar, uma vez por semana, resenhas e livros para um programa da TV Cultura.
Estou também mergulhando de cabeça num livro novo - e isso é o que melhor posso te contar de mim. A Brasiliense me fez uma boa proposta: pagar um salário durante quatro meses, para que eu pudesse trabalhar menos e me dedicar a esse romance encruado que tenho na cabeça há três anos. Bom, está saindo. Por enquanto chama-se Desesperadamente, ou Onde Andará Dulce Veiga? Avança lentissimamente, é talvez a coisa mais lenta que já escrevi em toda minha vida. Estou tentando uma técnica nova, que chamo de caleidoscópio verbal: são figuras que se formam, à medida que o texto vai avançando, e da qual se destacam um ou dois elementos que formam uma figura nova, e assim por diante. A fragmentação, portanto, é apenas aparente, porque a intenção é conseguir um fluxo ininterrupto. Loucuras que me servem para a extruturação interior da coisa. Talvez o possível leitor mal perceba. Mas o livro é o que está me mobilizando no momento. E só isso. Andei amargo, andei achando inútil escrever, andei travado por mil coisas de dentro e de fora. Mas é o que sei fazer. A vida perderia um pouco de sentido que ainda tem se um dia eu desistisse. Então não desisto de encher laudas e laudas de palavras contando histórias que nunca aconteceram, embora consciente da inutilidade disso.
Deve ser o tempo, a proximidade dos quarenta anos (que meeeeedo), as nossas células e neurônios fatigados, mas vai baixando a humildade tão grande. Reduzi tanto os meus sonhos, minhas fantasias, minhas esperanças. Ando espantado com O Tempo. O tempo é a única coisa terrível que existe. O Tempo que passa e leva de arrasto, aparentemente aleatório, a juventude nosa e dos outros. Não é amargo, é apenas real. Só hoje começo a compreender certa expressão de espanto inconsolável que muitas vezes percebi nos olhos de meu pai. Meus olhos estão ganhando pouco a pouco uma expressão semelhante.
Então, tenho ouvido Armstrong, Billie Holliday, Bessie Smith, Theloniius Monk, Dinah Washington, os gemidos dos blues.
Quase sete e meia, devo sair daqui a pouco - vou me forçar a sair de casa para assistir ao Estagium com Fernanda, que é linda e também dança. Como hoje é sexta, e só vou poder colocar essa carta no correio na segunda vou deixar em aberto para acrescentar mais. Ah: comprei a poesia completa de Cecília Meirelles e vou procurar alguma coisa para interromper aqui.
Antes tenho pensado em ti nos meus escritos. Outro dia foi um conto chamado Beatriz que o destino desfolhou, escrito para uma antologia sobre a adolescência organizada pela Fanny Ambromovich. Remoí meses, uma história sobre Tânia Pinto, lembras dela? - aquela garota que foi minha namorada e morreu de leucemia, aos 15 anos. Também se passa em Passo da Guanxuma e que é uma Santiago do Boqueirão ficcionalizada. Em Dulce Veiga tem muito Passo da Guanxuma, acho que você vai reconhecer coisas i rir, sentir saudades talvez.
Bom, lá vai Cecília, deixa eu procurar. Que tal este de 1959?
"Esgueiro-me por entre a pedra e a nuvem:
belas cidades, deixai-me passar.
Ai dos meus encontros!
Por esses encontros, esgueiro-me, fujo
por entre palavras, por entre pessoas.
Ai dos meus encontros!
Que encontros são esses? Com quem? e quando?
Comigo. No sempre dos longes e pertos.
Ai dos meus encontros!
Deixai-me passar!
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Ruy Krebs
Ruy e Caio foram amigos desde a infância em Santiago, estudaram no colégio estadual Cristóvão Pereira. Moraram juntos em Porto Alegre, quando finalizaram os estudos no ensino médio. A amizade sempre resistiu a todas as distâncias.
(Acervo de Ruy Krebs)
Fonte: Livro sobre o Caio, do projeto; "Santiago do Boqueirão, seus poetas quem são?"
Que me foi enviado com tanto carinho por pessoas queridas do Passo da Guanxuma.
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8 comentários:
Ai que legal... me senti um pouco parte dessa historia...
Delicia ler algo tao real!
ps: Muuuito obrigada pela visita amiga... estou no msn agora...se puder entrar te aguardo!!!!
Beijos
oii Suzi,
Nossaa tô no céu. AMO de paixão Caio F.
Lindos os teus cantinhos. Perfeitos.
Vi que também é de peixes, nós e nossa sensibilidade aflorada. (hehehe)
Seja muito bem vinda ao meu blog. Tô te acompanhando também.
Beijos meus.
Amiga, agora sim voltei pra ficar! Estive um pouco ausente devido as horários mas já esta tudo ok! rs
Amiga tentei comentar no outro blog nao consegui, nao conhecia este teu cantinho mas ja passei a admira-lo tal como o outro!
Beijinhos e sorrisos!
oiii Suzi,
Visitei teu outro cantinho e vi o post. Tô te seguindo lá tbm.
Nossa sensbilidade vale ouro. Não se abale.
p.s.: Só acho aqui lugar pra comentar, não sei se nos outros 2 blogs não tem lugar pra comentar ou eu q não tô vendo...hehehe
Beijos
Suzi,
tô adorando passear por aqui... até levei alguns trechos lá para o meu jardim.
:)
mil beijos para minha amiga linda!!!!
Tua escrita é de esbugalhar os olhos
e Cair a Boca das Palavras!
Muito bacana teu espaço...
virei teu fã
agora te sigo aqui!
Raphaah Abreu
LINDO DE VIVER!!!!ESTOU TE SEGUINDO...VIREI MAIS VEZES TE VISITAR...BEIJO AMIGA LINDAA!!!
Nota de falecimento: CEFID perde o professor Ruy Jornada Krebs
Morreu às 5 horas deste sábado, 11 de dezembro, o professor Ruy Jornada Krebs, do Departamento de Educação Física do CEFID/UDESC. Natural de Santiago (RS), o professor Krebs tinha 62 anos e estava internado há cerca de 30 dias num hospital em Santa Cruz do Sul (RS), com complicações no fígado.
Ruy Krebs atuava como professor titular no CEFID desde 1998. Coordenava o projeto de extensão de Capacitação dos Professores da Rede Pública e Privada de Ensino para a Avaliação do Desenvolvimento Motor em Escolas, que já estava selecionado entre as ações do centro para 2011. Era doutor em Educação Física pela University of New Mexico, em Albuquerque (EUA), com pós-doutorado na Indiana University, em Bloomington (EUA).
A família informou que o corpo do professor seria transferido ainda na manhã deste sábado para Porto Alegre, onde será cremado. A previsão é d e que chegasse ao local do velório, o Cremátório Metropolitano São José, em Porto Alegre, por volta das 11 horas. A cremação está prevista para as 16 horas deste sábado.
A Direção Geral do CEFID, em nome da comunidade universitária, manifesta seus pêsames à família pela perda irreparável.
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